quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Estado de Direito e o Estado de Fato

Proclamamos que o Estado legítimo é o Estado de Direito, e que o Estado de Direito é o Estado Constitucional.
O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição.
Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e reniten tes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na Histó ria da Civilização. Sem exagero, pode dizer-se que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado.
O Estado de Direito se caracteriza por três notas essenciais, a saber: por serobediente ao Direito; por ser guardião dos Direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica.
É obediente ao Direito, porque suas funções são as que a Constituição lhe atribui, e porque, ao exercê-las, o Governo não ultrapassa os limites de sua competência.
É guardião dos Direitos, porque o Estado de Direito é o Estado-Meio, organizado para servir o ser humano, ou seja, para assegurar o exercício das liberdades e dos direitos subjetivos das pessoas.
é aberto para as conquistas da cultura jurídica, porque o Estado de Direito é uma democracia, caracterizado pelo regime de representação popular nos órgãos legislativos e, portanto, é um Estado sensível às necessidades de incorporar à legislação as normas tendentes a realizar o ideal de uma Justiça cada vez mais perfeita.
Os outros Estados, os Estados não constitucionais, são os Esta dos cujo Poder Executivo usurpa o Poder Constituinte. São os Estados cujos chefes tendem a se julgar onipotentes e oniscientes, e que acabam por não respeitar fronteiras para sua competência. São os Estados cujo Governo não tolera crítica e não permite contestação. São os Estados-Fim, com Governos obcecados por sua própria segurança, permanentemente preocupados com sua sobrevivência e continuidade. São Estados opressores, que muitas vezes se caracterizam por seus sistemas de repressão, erguidos contra as livres manifestações da cultura e contra o emprego normal dos meios de defesa dos direitos da personalidade.
Esses Estados se chamam Estados de Fato. Os otimistas lhes dão o nome deEstados de Exceção. Na verdade, são Estados Autoritários, que facilmente descambam para a Ditadura.
Ilegítimos, evidentemente, são tais Estados, porque seu Poder Executivo viola o princípio soberano da obediência dos Governos à Constituição e às leis.
Ilegítimos, em verdade, porque seus Governos não têm Poder, não têm o Poder Legítimo, que definimos no início desta Carta.
Destituídos de Poder Legítimo, os Estados de Fato duram enquanto puderem contar com o apoio de suas forças armadas.
Sustentamos que os Estados de Fato, ou Estados de Exceção, são sistemas subversivos, inimigos da ordem legítima, promotores da violência contra Direitos Subjetivos, porque são Estados contrários ao Estado Constitucional, que é o Estado de Direito, o Estado da Ordem Jurídica.
Nos países adiantados, em que a cultura política já organizou o Estado de Direito, a insólita implantação do Estado de Fato ou de Exceção – do Estado em que o Presidente da República volta a ser o monarca lege solutus – constitui um violento retrocesso no caminho da cultura.
Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendia dos, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem existido.
O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exce ção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados e Sistemas.
Por exemplo, em lugar dos Direitos Humanos, a que se refere a Declaração Universal das Nações Unidas, aprovada em 1948; em lugar do habeas corpus; em lugar do direito dos cidadãos de eleger seus governantes, esses Estados e Sistemas colocam, freqüentemente, o que chamam de Segurança Nacional e Desenvolvimento Econômico.
Com as tenebrosas experiências dos Estados Totalitários euro peus, nos quais o lema é, e sempre foi, “Segurança e Desenvolvimento”, aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Dita dura é o regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico. O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento. Nele ainda se inspira a ditadura soviética.
Aprendemos definitivamente que, fora do Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada. Fora do Estado de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína.
Não nos deixaremos seduzir pelo canto das sereias de quaisquer Estados de Fato, que apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores freqüentes da Ordem Constitucional.
Afirmamos que o binômio Segurança e Desenvolvimento não tem o condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num Estado de Direito.
Declaramos falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direi to e a Democracia são “a sobremesa do desenvolvimento econômico”. O que temos verificado, com freqüência, é que desenvolvimentos econômicos se fazem nas mais hediondas ditaduras.
Nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertimos que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficarão permanentemente à espe ra de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito.
Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro, porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma idéia de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a idéia de que o Estado existe para servir o homem.
Estamos convictos de que a segurança dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação.
Nós queremos segurança e desenvolvimento. Mas queremos segurança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.
Em meio da treva cultural dos Estados de Fato, a chama acesa da consciência jurídica não cessa de reconhecer que não existem, para Estado nenhum, ideais mais altos do que os da Liberdade e da Justiça.
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Trecho retirado da " Carta aos Brasileiros" em 1977. Academia de Direito de São Paulo.


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Notícias: As Belas Mentiras.

        As notícias que são dadas no rádio, na televisão e nos jornais ocupam, em média, 10% do espaço de toda a comunicação. Os comerciais (propaganda ocupam ao redor de 30% e os outros 60% ficam para as demais matérias (novela, filme, esporte, artigos, etc.). As notícias, porém, são a parte mais importante na formação, tanto da opinião pública, como na formação da cabecinha das pessoas. Elas vão direto à mente das pessoas e vão construindo a realidade, a verdade, os fatos e os acontecimentos. Sem exagero, as notícias constroem a história e o mundo para nós. É preciso ter um cuidado enorme, e um espírito crítico muito aguçado, para não se deixar embrulhar e não deixar que as notícias façam a cabeça da gente. Não temos medo de dizer que a preservação da liberdade duma pessoa está diretamente relacionada à maneira como ela se comporta em relação às notícias que recebe, principalmente dos meios de comunicação, mas também de todo o grupo que a rodeia.
      A primeira coisa que se deve considerar é a maneira como as pessoas se colocam diante dos meios de comunicação, isto é, qual é a atitude de quem escuta uma notícia no rádio, na TV, ou lê nos jornais. A maioria quase absoluta das pessoas está numa atitude de que o que vai ser dito é verdade, é a realidade. São poucos os que se colocam diante das notícias com uma atitude crítica. O que quer dizer atitude crítica? Crítica vem de julgar. Quando alguém é julgado, é necessário que se vejam os dois lados. Por isso, num julgamento, há o advogado da defesa e o da acusação. Ter atitude crítica é ver sempre os dois lados: o da polícia e o do "bandido". Por isso a justiça é representada com uma balança na mão. É impossível imaginar uma balança com um lado só; não seria balança. É verdade que ela, as vezes, é bem cega, mas ao menos tem como ponto de partida indispensável a necessidade de se verem os dois lados. Tem uma postura crítica, então, quem vê TV, ouve rádio ou lê jornal com um pressuposto absolutamente necessário: a convicção de que tudo tem seus dois lados. Antes de ouvir ou ver qualquer coisa, ele já está prevenido: sendo que tudo o que existe no mundo é histórico, é relativo, logo tudo contém ao menos dois lados. Isso é espírito crítico.
       Que coisa triste é ver pessoas ingênuas, que acreditam em tudo o que se diz, sem ao menos desconfiar. São embrulhadas, enroladas, e servem de massa de manobra para interesses de outros. Vivem de cantadas, de mentiras. As pessoas ingênuas acham que tudo o que se diz é verdade. Não imaginam que há pessoas que podem mentir. Não se previnem e não tem sempre presente que, assim como uma pessoa pode dizer a verdade, pode também dizer a mentira. E quanta gente ingênua, sendo cantada toda noite diante das notícias da TV, escutando balelas e mentiras de ministros, políticos, presidentes, etc. Chega a ser até uma vergonha. Vivemos no país das "cantadas"...

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Fonte: GUARESCHI, Pedrinho Alcides, Sociologia crítica: Alternativas de mudança. Porto Alegre, Mundo jovem, 1996.